AMOR E CIÚME; glória e poder; ódio e traição—é nestas dualidades que se desenvolve o drama do dilacerado Otello, discutivelmente a melhor ópera de Verdi. A firmeza e a coesão da música conferem à história de Shakespeare um envolvimento sonoro de profundidade crescente, num extraordinário equilíbrio musical, algures entre a escola italiana e a germânica. Toda esta atmosfera de tensão quase obscura, misturada em momentos de grande efusividade e sugestão introspectiva dos personagens, é admiravelmente capturada pela corrente produção da Metropolitan Opera. No acto I, como um prelúdio, durante a tempestade, apenas uma figura irradia luz sobre o cenário obscuro: Desdémona, a fiel esposa de Otelo. Contudo, essa luz apaga-se nos terraços e nas salas do palácio, devido ao crescente ciúme do marido. Embora realista, esta produção não é fundada em pormenores demasiado breves ou irrelevantes, proporcionando uma construção sólida de um drama intrincado.
Tal como Radamès em Aïda, o glorioso general Otelo vive em glória, mas vive de amor, com Desdémona. Em completo contraste, apenas o poder e o ódio motivam Iago, um misantropo por natureza: cruel porque é homem, desonesto porque assim nasceu—essa é a sua fé. Este ignóbil estereótipo do intriguista foi impressionantemente retratado por Falk Struckmann; o seu "Credo in un Dio crudel" foi arrepiantemente convicto e assertivo, justificando o carácter inteligentemente trocista que vai desenvolvendo ao longo da ópera. Este Iago assiste à decadência psicológica e ao ciúme de Otelo como quem vê uma comédia no teatro; provoca-o como quem aplaude uma anedota, sempre com uma expressão de dissimulado prazer sarcástico. Johan Botha também recria o papel de Otelo, conduzindo-o pela margem da loucura, sob uma grande pressão, em vez de exteriorizar um profundo conflito interno como Domingo fez com a mesma produção. Este é um Otelo impulsivo (explosivo, até); mais previsível, mas bem defendido pela sua potência vocal, assinalável desde o seu pujante “Esultate”, a perigosíssima exclamação da entrada do tenor em palco.
A Desdémona de Renée Fleming é absolutamente desconcertante. Nesta encenação, ver a pobre mulher de Otelo a ser agredida e vexada de tal forma, sobretudo na cena final do acto III (recordando a Traviata) é quase insuportável, tal é a empatia que Fleming cria com o público. A sua figura é adorável, a sua voz é arrebatadora. As suas carícias ao “mouro” são honestas e as suas súplicas são profundamente comoventes: Otelo parece irracional, Iago é um monstro. Apenas ao som da redentora melodia do final do acto I, surgindo novamente no final da ópera, é que o público recorda que tudo foi um engano. Otelo não era mau; apenas amava. No seu leito de morte, pede “um beijo, outro beijo… e ainda outro beijo” à pálida Desdémona—e o silêncio consome a tristeza da morte do infeliz casal, vítima do ciúme humano. É raro que o público da Metropolitan Opera esteja tão perplexo no final de uma ópera, sem interromper o final com aplausos estrondosos, como aconteceu neste Otello.
★★★★★
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