Fardilha, Yanissis, Melo, Vidal e coro. |
No tom simples e bem-disposto de Don Pasquale, Donizetti recorre a um vasto leque de recursos artísticos
para expor uma diversidade de sentimentos e circunstâncias irónicas. O
resultado é uma ópera dinâmica de fácil compreensão, mas com pouca
profundidade intelectual e—diria o P.Z.—pouco estimulante. Todavia, o talento melódico
de Donizetti é inegável, pelo que o pulsar enérgico da orquestra e dos cantores
proporciona, em última análise, um encantador espectáculo de melodias e sons.
Toda a cenografia envolvente na produção do Teatro de S. Carlos transforma esse
gracioso aglomerado sonoro num espectáculo de sons e cores, variando em função
do sentimento predominante em cada cena. Os cenários e a encenação são vivos e
dinâmicos, cativando o espectador desde o prelúdio.
A fábrica de tecidos finos do velho Don Pasquale, algures
nos anos 1930’, é o contexto da reposição da história. Don Pasquale é um
abastado proprietário industrial que, embora satisfeito com a sua riqueza, se
sente em necessidade de se reafirmar ante si e o seu sobrinho Ernesto. O enredo
tipicamente buffo, envolvendo personagens trocadas e jogos de enganos, toma
um significado curioso no contexto da fábrica de Pasquale. Estes enganos, engenhados
por Malatesta, constroem uma tese moral em relação ao capitalismo, visto
que Pasquale é o capitalista do negócio e da vida, devido à sua personalidade
liberal mas impositiva. (Ou pelo menos assim tenta o P.Z. extrair uma leitura
da encenação.)
A própria postura de Yanni Yanissis, como Malatesta, foi
mais paternalista do que cómica, portando em si uma atitude reconhecível como a
de agente moralizador. Mathias Vidal, tenor de voz cristalina e fluida,
interpretou um Ernesto de sentimentos intensos e apaixonados. No acto II, após um
melancólico solo de trompete (a verdadeira inspiração para a valsa de O Padrinho?),
a ária foi comovente, bem apoiada pela encenação quase cinematográfica; no acto
III, o número principal “Com’è gentil” foi encantador. Não menos digna de
louvor foi a Norina de Eduarda Melo, personagem enérgica e, quando quer,
impetuosa. A soprano, ainda em início de carreira, tem uma voz ágil e um
timbre doce, dominando as coloraturas que Norina exige. A sua apresentação foi
bem clara: Norina sabe bem o que quer e como fazer para atingir os seus objectivos.
Todo o resto da ópera é ironia à luz desse conceito: Eduarda Melo soube bem
chegar ao espectador, revelando uma notável progressão na personalidade de “Sofronia”.
José Fardilha revelou bem o entusiasmo do vaidoso Don
Pasquale e o arrependimento que o seguiu, valendo-se da sua potente voz—por
natureza, excelente para o papel—para tomar a posição central da história. Este Don Pasquale foi, sem dúvida, um espectáculo bem cantado e representado,
fundindo a felicidade com a tristeza por via da ópera, “transformando
indignação em riso”; riso esse que o P.Z. teve a felicidade de trazer, desta
vez, de S. Carlos. O que faltou? Alguma pimenta.
★★★★☆, entretenimento de qualidade!
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