Estúdio de Ópera em S. Carlos: A Geração de Setenta (Foyer Aberto)

Decorreu ontem, no foyer de S. Carlos, mais um concerto no âmbito do "Estúdio de Ópera", dirigido pelo pianista-martelador João Paulo Santos. Embora já da outra vez tenha alertado neste blog para o grande interesse do concerto, até houve menos público do que na outra vez. E desta vez foi mesmo uma pena, porque penso que se possa ter feito uma descoberta de nível nacional!

Segundo a apresentação de João Paulo Santos, na geração da década de setenta, os líderes intelectuais portugueses consideravam o repertório italiano demodé; buscavam a crítica social e a revolução, que encontravam na ópera francesa. Assim, cantaram obras de Gounod, Meyerbeer, Offenbach, dois números de Donizetti, e compositores portugueses (sempre atrasados no tempo): Keil e Augusto Machado. O raciocínio desta programação foi interessantíssimo!

Não se esqueçam!
A soprano Carmen Matos tratou a partitura como um espartilho e fê-lo ao seu próprio risco. Esteve rouca na primeira canção, começou abaixo da tonalidade numa outra, e não deslumbrou nem por perícia vocal, por beleza tímbrica, nem por actuação.

Gostei da interpretação de Bruno Pereira (barítono). Não se trata de um cantor de extraordinários recursos vocais. Muitos dos aplausos que lhe foram dirigidos (sobretudo após uma ária do Fausto) reflectiram essencialmente a sua expressão física apropriada a Mefistófeles, e ao público, que ficou eufórico desde a actuação do tenor Bruno Almeida. E quanto a este último: será ele uma revelação em fase de amadurecimento vocal? Será que há potencial internacional? Será que eu me esqueci de lavar os ouvidos? Talvez. Este cantor não cai em nenhum dos erros frequentes: não canta fora do repertório, não usa mal o vibrato, não se excede nas dinâmicas. Dá-me ideia de que anda a seguir as passadas do Grande Plácido. O timbre (mais banal, claro está) faz lembrar ligeiramente o daquele tenor, bem como a sua postura física. Parece antitético, mas imagino-o a cantar o Baile de Máscaras. Há alguma falta de transparência nas notas mais agudas, mas isso pode fazer parte do tal "processo de maturação". Mas sente-se cada nota que ele canta. Desde que cantou a ária final de Edgardo da Lucia, o público ficou eufórico, e penso que os outros cantores se aproveitaram disso. Bravo!

Com certeza, os leitores notaram que consegui escrever aqui um comentário com mais palavras do que critico uma ópera inteira. Isso é para vos chamar a atenção de que ainda há, na próxima quarta-feira, mais um concerto destes!! 2 em 1: concerto e palestra gratuitos!

10 comentários:

  1. Boas notícias, então. Ontem não pude ir.

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  2. Boas notícias. Há ainda que salientar, tal como escreveu no comentário da outra vez, que o foyer não é o melhor local de avaliação de uma voz, sobretudo no que diz respeito à projecção. Fico para ver o que vem daí!

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  3. Obrigado por este relato. Confesso que sou um pouco renitente a este tipo de espectáculos. Gosto de óperas inteiras e dentro do teatro. Mas, quem sabe, se as críticas me convencerem, talvez começe a ir também, quando me for possível...

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  4. Estes espectáculos surgem mais a título de curiosidade do que outra coisa. O próprio ambiente em si nem chega a ser snob... às vezes parece peixaria, mas é interessante. É muito informal, espreite se estiver a passar por lá ou sem nada para fazer, FanaticoUm.

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  5. Posso dizer ao menos que o Bruno Almeida sempre teve um timbre que me entusiasmou desde a primeira vez que o ouvi. Espero que surjam oportunidades para pelo menos alguns cantores portugueses poderem desenvolver o seu instrumento e não apenas como a temporada próxima do São Carlos que diz que anda a poupar mas paga a cantores estrangeiros 5, 6 , 8, 10, 12 mil euros à récita e a qualquer português consagrado (de território nacional, não estou a falar da Elisabete Matos, como o Carlos Guilherme, Luís Rodrigues ou Ana Paula Russo) mostra dificuldade em pagar 1000 euros hoje em dia...
    E atente-se que na temporada principal (as 6 grandes óperas) para o próximo ano quase nenhum português canta. Depois dão aquelas dádivas fabulosas aos compositores portugueses de comporem óperas de 10 minutos!! É mesmo a gozar! Claro que os contemplados dirão, com razão, antes dez que nada!
    Só um pequeno à parte e para perceberem a disparidade, pagaram a um cantor português para fazer um dos papéis principais na "Salomé" sensivelmente o mesmo que a um austríaco para fazer um papel terciário... Hoje em dia, passados dois anos e uma ministra que até era música ter mudado o director, tudo conseguiu piorar, e claro que despediram o director anterior por uma quantia choruda que passa a centena de milhares de euros (na versão oficial)!!!
    Parece-me que está tudo dito.
    Melhoras para o futuro!

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  6. Anónimo, quero aqui o seu comentário quando falar da próxima temporada.

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  7. Encontrei este blog por acaso a partir do Google, e venho saudar o autor pelos bons artigos (li alguns dos últimos e dos primeiros) que escreve sobre um tipo de música que infelizmente parece atrair cada vez menos atenção.

    Também assisti a este concerto do "Estúdio de Ópera" e em termos gerais partilho da mesma opinião que o autor do artigo, mas no entanto aproveitaria para colocar aqui alguns pontos que não concordo completamente (pela ordem que apresentou no artigo):

    - Não concordo totalmente com a apreciação da soprano Carmen Matos. Notava-se algum cansaço na voz, pouca projecção vocal, e o timbre para o seco. Mas estes dois últimos factores acredito que tenham sido mais salientados pela "secura" do foyer. Penso que o reportório também não lhe foi favorável, com pouca coloratura, onde a soprano poderia ter brilhado mais.
    No entanto não a achei "espartilhada" ao papel. De facto até penso que foi a pessoa que mais livre estava da partitura, e penso que fez uma actuação (em termos cénicos) bastante mais interessante que os restantes elementos, como se notou na interpretação do trio em português, onde cativou o público.

    - O barítono Bruno Pereira teve uma prestação também bastante interessante, uma voz segura, e uma boa capacidade "cénica", como se viu na actuação como Mefistófeles, na ária de Offenbach, e também no trio interpretando o Médico, onde penso que, em conjunto com a soprano, protagonizaram um momento muito interessante. Mas como é normal, mas também dependente dos gostos, o reportório para baixo/barítono tende a ser pouco interessante.

    - O tenor Bruno Almeida concordo que foi uma boa revelação nesse concerto. Uma voz também muito segura, quem sabe com um bom futuro pela frente. Penso que o reportório que lhe calhou assentou que nem uma luva, mas gostaria de o ver "soltar" mais. Teve sempre com os olhos na partitura, pouco movimento em palco e pouca "empatia" com o público. Não nos esqueçamos que em Ópera não basta (apenas) cantar bem, mas também saber cativar o público (na medida do possível) e realizar uma boa performance (no fundo ópera/música é entretenimento). Aqui penso que o Bruno terá de se aplicar muito.

    Em termos gerais, penso que foi um bom concerto, e espero ansiosamente pelo próximo..

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  8. O próximo é nesta quarta-feira. É provável que não tenha sabido apreciar a soprano; já fui criticado quanto a uma outra, noutro post.

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  9. Isso é que se chama ter azar ao ser criticado pelo mesmo motivo... Será alguma perseguição pessoal que o autor do blog tem para com os Sopranos?!
    Têm sido uns concertos muito didácticos e interessantes, Serão para continuar?
    Têm havido grandes surpresas!
    Obrigado pelos posts. São muito interessantes

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  10. :-P Só as meio-sopranos é que têm passado, como na Carmen. Realmente, tenho andado para o lado com as sopranos, já que assim o põe. A questão é que não tenho visto nenhuma que se destaque - é tudo muito banal, ou nem a isso chega.

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