Está mais do que visto que
a maior parte dos programas que passam em “três canais” não se podem levar a
sério. Ainda assim, o P.Z. não resiste a dar uma vista de olhos aos podcasts de
alguns dos programas de concursos e apareceu este vídeo, em que se canta “O mio
babbino caro”. O P.Z. sugere aos leitores que o vejam, com especial destaque
para o comentário do Maestro Rui Massena. Em época de penumbra—em que não se
tem a certeza sobre a permanência de Pinamonti como director artístico de
facto—levantam-se dúvidas sobre a necessidade de um director de jure.
Antes de Pinamonti ser nomeado “consultor artístico”, houve vários boatos
acerca e quem preencheria a vaga; um deles apontava para Rui Massena. Por
enquanto, se há boatos, o P.Z. não ficaria admirado por saber que o maestro Rui
Massena, jurado do programa “Got Talent
Portugal”, surge novamente.
Por parte de algum membro
do secretariado de estado da (in)cultura, chegar a Rui Massena é o mais fácil
que há: basta ligar a televisão ao fim de domingo, e na RTP1 lá está ele. Um
homem novo, com um ar inovador (leia-se carismático), tratado por maestro.
Vai-se ao site do programa, e lá se encontra o currículo do maestro: “uma
conhecida figura do panorama cultural nacional que ajudou a transformar
Guimarães 2012 … num estrondoso caso de sucesso”, que “deixou sementes para o
futuro [de] uma instituição singular, que conseguiu um tremendo êxito”, que foi
“maestro convidado principal [em] Roma”, distinta “também a proeza” de tal e
tal, em grande “sucesso”. De facto, “Não faltam troféus” a Rui Massena: uma “Medalha
de Mérito Cultural” e outra “Medalha de Ouro de Mérito Cultural e Científico”; terminando
em grandeur com “Berlim … reconhecendo assim o seu enorme valor
cultural”. Uau! Que currículo bestial!
(O P.Z. pergunta-se quem é o dono de tantos adjectivos.) Este é o homem
indicado para dirigir o Teatro Nacional de São Carlos. Um indivíduo jovem, com
um currículo composto somente por “sucessos estrondosos”—ideal para renovar
essa coisa velha e caduca que é a ópera que eu nunca percebi muito bem mas é “do
social”, e que durante anos (até há um ano, quando Pinamonti chegou) só perdeu
audiência. Fácil, simples e eficaz—até dá votos de algumas pessoas que costumam
ver os programas de domingo à tarde.
Agora, em análise ao tal
“Babbino caro”. Embora a voz da intérprete seja bonita, apresenta falhas
rítmicas constantes, notas e palavras inventadas e um final numa nota
completamente ao lado. Em suma, uma interpretação modesta mas muito fraca. Sem esmiuçar
a redundância dos comentários de Manuel Moura dos Santos ou o comentário de
Sofia Escobar (que, dado o seu distinto currículo musical no West End, só se
pode dever a obrigações contratuais para com o programa), o comentário mais
acertado é o de Pedro Tochas, que não percebendo nada do assunto contorna
qualquer comentário sobre o canto em si. Mas o que choca mesmo é o comentário
de Rui Massena—um indivíduo que, aos olhos da maior parte da população
portuguesa (e provavelmente de muitos dos membros do secretariado de estado da
(in)cultura), se afigura como um maestro “de música clássica” com um tremendo
“mérito cultural”.
Consistentemente com a sua
popular fama de maestro, Rui Massena simulou que estava a dirigir a orquestra
durante o playback. O P.Z. suspeitaria que isto se deve a marketing
pessoal, visto que os comentários faz de seguida revelam um surpreendente
desconhecimento sobre canto lírico e ópera. Quando Manuel Moura dos Santos
começa o seu comentário, pergunta o nome da ópera e o compositor. A resposta é “Nabucco, de Puccini”. Compreensivelmente, Moura dos Santos
não é um maestro e, sem saber que a ópera é Gianni Schicchi de Puccini,
faz notar apenas que Nabucco é de Verdi e não de Puccini. Seria de
esperar que o Maestro os elucidasse sobre aquela que é provavelmente a ária de
soprano mais mediática de toda a ópera. Mas Rui Massena, apesar de fazer todos
os possíveis para mostrar que percebe do assunto (incluindo simular dirigir a
orquestra) não disse nada. Adensa-se a suspeita nos seus comentários seguintes
de que é porque não sabe.
Como não tenha nada para
dizer além dos comentários de marketing, começa por dizer que não resiste “a
esta boa música”—de modo a salientar que ele é “o” maestro da televisão.
Prossegue com o cliché de sentir que a música está num colete de forças
por ser em playback e não com orquestra, embora o que seja mesmo negativamente
conspícuo seja a adaptação da orquestração para uma versão pirosa. Portanto,
marketing para substituir a falta de conhecimento sobre a qual apoia a sua
carreira.
Porém, a cereja no topo do
bolo é que a seguir a estes comentários, sem quaisquer observações técnicas,
Massena parabeniza a concorrente e subscreve as palavras de Moura dos Santos. Quando
este, na verdade, demonstrou escasso conhecimento sobre o que é cantar ópera.
Isto foi especialmente evidente visto que, nestes concursos, Moura dos Santos é
conhecido por ser desagradável na forma como implacavelmente aponta todos
os defeitos aos concorrentes. Por outro lado, esse seu lado icónico
frequentemente faz com que os jurados indecisos repitam o que ele disse. Também
é prova da falta de conhecimento sobre ópera o facto de subscrever as palavras
do outro jurado sem pelo menos comentar o assunto do nome da ópera e o
compositor—o que, afinal, não deveria ser assim tão difícil para um maestro tão
admirável como ele.
Com este texto, o P.Z.
espera deixar claro que se recusa a ver qualquer espectáculo de música clássica
que tenha a mão do grande self-marketeer Rui Massena e não porá os pés
em S. Carlos caso o seu nome apareça associado. Porque parece que o seu conhecimento
é apenas ilusão e o resto é marketing pessoal. Se restarem dúvidas, os leitores
podem investigar a campanha de promoção do “novo CD do maestro” ou imaginar o
que, no caso de Massena passar a exercer funções numa instituição cultural
única, ele diria à produtora do “Got Talent Portugal” se lhe pedissem para usar
o espaço para filmar o programa. Ainda mais com os antecedentes de Maria
Bethânia e a noite de fados.
Caríssimo Plácido,
ResponderExcluirpelo que pude inferir da leitura de alguns artigos recentemente publicados, creio existir intenção de reconduzir Paolo Pinamonti no cargo de consultor artístico.
Relativamente a Rui Massena, a vacuidade, ostensiva e frequentemente patenteada, afigura-se-me assaz lamentável, considerando a acção, potencialmente, pedagógica e desmistificadora de que uma figura com assinalável impacto mediático poder-se-ia revestir.