Exposição “Noites em São Carlos” volta ao ataque!

Rigoletto em S. Carlos, 1986: Fernando Teixeira.


Um ano depois da primeira edição, a série de visitas guiadas ao Teatro Nacional de São Carlos foi repensada e recriada para a celebração do duplo bicentenário, dos 120 anos de Almada Negreiros, do 150º aniversário do barítono Maurício Bensaúde, passando também por um espaço dedicado ao tenor António de Andrade. 

Na sala principal, estarão expostos cenários, adereços e figurinos das produções do Rigoletto de 1975, 1979 e 1986, alguns dos quais são parte das lendárias produções Lisboetas de Gino Bechi (nascido há 100 anos). Segundo o teatro, “relembram-se Alfredo Kraus, Fernando Teixeira, Piero Cappucilli, Renato Bruson, Elvira Ferreira, Ileana Cotrubas, Elisete Bayan, ou Carlos Fonseca.” No salão nobre, “foram montadas cenas de A Valquíria, Parsifal e Siegfried”, revela a mesma fonte.

Maurício Bensaúde foi um cantor português lendário, tendo nos velhos tempos (era anterior ao gramofone) sido apresentado nos principais papéis de barítono, nos grandes palcos europeus e americanos. Segundo o TNSC, Puccini tê-lo-á escolhido para o Marcello da estreia da Bohème em Buenos aires—o que, acrescenta o PZ, foi na altura algo notável: o teatro de Buenos Aires era, nesses tempos, um grande centro cultural como os europeus, onde Puccini foi pessoalmente estrear La Bohème e apurar as circunstâncias misteriosas da morte do seu irmão.

O P.Z. não vai perder esta... contando com um guia decente desta vez!

La Fille du Régiment | Teatro Nacional de São Carlos (crítica)

 Cristiana Oliveira e Luís Rodrigues como Marie e Sulpice

Para encenar La Fille du Régiment, Mário Redondo optou por recriar a história do amor quase proibido de Marie e Tonio num cenário inovador: uma caixa de brinquedos de crianças. Esta abordagem tem a vantagem de ser orginal e bem disposta, representando o castelo de Berkenfield e o campo do regimento 21 através de amontoados de peças coloridas que recordam um Lego. Embora esse aspecto constitua vantagem, acaba por colocar a encenação no separador do “simples, colorido e bem-disposto”. Durante 173 anos, Marie e Tonio entretiveram os espectadores de ópera de todo o mundo, por vezes pelas vozes dos mais famosos intérpretes líricos. O sucesso que esses obtiveram deveu-se, naturalmente, não só às suas capacidades individuais, mas também à ópera em si. Ao comparar La Fille com outras óperas mais dramáticas (por exemplo, a Ana Bolena do mesmo compositor), pode ser tentação classificar a primeira como uma simples historieta de amor—o que é extremamente redutor! Na verdade, por trás do cenário do regimento e do castelo, está a desenrolar-se uma guerra que levanta medos e incertezas e onde morrem pessoas(!); há preocupações sociais e políticas muito para além daquelas que são ironizadas pela cena da lição ao piano e semelhantes. Pensando bem, abordar a obra de Donizetti como simplesmente cómica e ainda lhe por o selo de “história de crianças” é uma opção legítima mas criticável.

Está mais do que visto que esta produção foi pensada a contar com a ária dos 9 dós (Ah mes amis... pour mon âme) mas um certo tenor preferiu dedicar-se a outras honras no estrangeiro. O substituto para Tonio foi Alessandro Luciano, tenor de timbre agradável e dedicado ao papel. Infelizmente, não deve ter estado nos seus melhores dias dada a fraca projecção vocal. Na tal ária, Redondo tentou criar um ambiente cómico sem grande sucesso visto que, embora todos os dós tenham sido cantados de forma elegante, não foram pujantes. Quando esta ópera estreou, o dó agudo do tenor (“dó de peito”) era algo novo, o que faz desta ária o primeiro “manifesto” do tenor moderno e—digam o que quiserem, haters gonna hate—a principal atracção desta produção. Porém, Luciano entregou-se claramente ao papel e foi minimamente credível. O papel de Marie é mais extenso do que o de Tonio e permite à artista exprimir-se de várias formas. Nestas condições, a Marie de Cristiana Oliveira esteve em bom plano cénico e vocal e tornou-se a estrela inesperada e inquestionável da produção. A diversidade do papel de Marie, filha do regimento que vai viver para um palácio de um dia para o outro, é uma rasteira a qualquer encenador, que repentinamente tem de alterar o dinamismo cénico entre as árias de despedida e o rataplan dos tambores militares. As luzes não estiveram em grande nível, tendo sido as alterações do esquema mais evidentes do que as mudanças do tom dramático em si.

Luís Rodrigues apresentou um Sulpice muito bom e envolvido. A curiosa reverberação da sua voz pela sala, em conjunto com as intervenções do coro, foram os elementos de masculinidade que tornaram este espectáculo minimamente credível como drama não-infantil. Até porque as restantes personagens secundárias, como a marquesa (Patrícia Quinta), dificilmente se podem enquadrar fora da vertente cómica. De facto, todo este raciocínio leva, de uma maneira ou de outra, a opor-se à abordagem do encenador. Aliás, a segunda grande desilusão do P.Z. foi ter uma projecção de duas crianças no final magnífico em que todos saúdam França (“salut à la France!”). As crianças não deixaran de parecer um cliché do encenador, desviando a atenção da música (e da própria construção cénica) para uma simples projecção que, para muitos, foi a origem do desconforto da abordagem. De qualquer forma, deve ser uma questão de opinião e a encenação será certamente de grande originalidade e agrado do ponto de vista de outros... Próximo passo: A Flauta Mágica encontra Lulu: ópera para crianças em versão de adultos!

★★★☆☆




P.S. O meu admirador anónimo asneirento a-d-o-r-a--me absolutamente e não resiste a comentar! Relembro que é melhor contactar-me por email (via não pública) se quiser mesmo que eu lhe dê atenção... mas, se calhar, é melhor procurar ajuda profissional!  :-)

O Teatro Nacional de São Carlos e a RTP: finalmente juntos!!

Susan Bullock foi a Brünnhilde do Anel do Nibelungo mais mediático da história de São Carlos, transmitido pela RTP para a televisão, via online stream e projectado em écran gigante para o Largo de São Carlos.

A RTP e o Teatro de S. Carlos anunciaram ontem a assinatura de um protocolo de partilha de conteúdos. Resumidamente, a RTP passará a transmitir óperas, bailados e concertos para a televisão. Deste protocolo, apenas constam indicações gerais, estando muitas questões ainda por definir. Quando Paolo Pinamonti (por enquanto consultor artístico) apresentar a nova programação, terá ainda de negociar o tipo de transmissões (em directo ou em diferido) e os próprios espectáculos a transmitir. Em resposta a críticas que já passaram pela blogosfera, o próximo concerto de ano novo em S. Carlos será a primeira transmissão coberta por esta parceria. Porém, deste projecto do qual pode resultar um excelente resultado, podem também advir efeitos perversos, posto que esta parceria assume que os espectáculos levados a palco em S. Carlos serão bons. 

Se não forem, os tele-espectadores simplesmente mudam de canal e o caso estará resolvido: seria uma dupla perda. Porém, se Pinamonti e Joana Carneiro conseguirem elevar o nível do Teatro, a procura poderá aumentar significativamente mais do que se não houver difusão televisiva. De facto, a melhor publicidade que se pode fazer a um bom produto é mostrá-lo sem condicionalismos. Aspectos a não descartar incluem as filmagens em si e o processamento de som—sim, porque os excertos audiovisuais que às vezes aparecem na Câmara Clara (RTP2) e no Facebook do teatro não podiam ser menos atractivos.

Um problema que chamou particularmente a atenção do P.Z. é a transmissão em directo. No que toca à ópera, esse é um assunto delicado, visto que é necessária uma perfeita coordenação das câmaras de filmagem. Veja-se o caso do Met Live in HD: é um projecto muito experimentado mas é rara a transmissão em que não se vê uma câmara ainda a focar ou a mudar de enquadramento à pressa. Seria mais sensato guardar transmissões em directo para uma fase mais avançada da parceria em que os operadores de câmara tenham experiência. (Não se pode esperar que um operador de câmara da RTP saiba como filmar ópera!) Por outro lado, um dos objectivos deste projecto, disse João Villa-Lobos (adminstrador do Opart), é a “formação de novos públicos para o teatro”. Deve notar-se que a transmissão em directo, em vez de atrair novo público para o teatro, pode simplesmente ganhar espectadores de ópera em televisão—alguns dos quais por via da perda de público presencial. Para a ópera, o P.Z. pensa que será uma aposta acertada começar pelas transmissões em diferido, a ser transmitidas depois de o espectáculo sair de cartaz. Eventualmente, não será má ideia editar o produto final depois das filmagens, imitando o estilo das transmissões/DVD da Met: o melhor que se pode tentar fazer numa primeira fase. Do mesmo modo, a publicidade deverá ser atempada: publicidade aos espectáculos antes e durante as récitas e só depois publicidade à transmissão televisiva, evitando o efeito sofá-inércia.

O Público também faz notar o objectivo de transmitir alguns espectáculos antigos, embora não deixe claro se serão antigos no sentido de “últimas temporadas” ou num sentido mais lato. O P.Z. pensa que o material mais antigo deve ser bem visado—por razões óbvias para qualquer amante de ópera. O Dr. Jorge Vaz de Carvalho (barítono) coordenará a edição, “entre 2014 e 2019, [de] pelo menos 12 DVD de espectáculos antigos que estão no arquivo da RTP”. O P.Z. recomenda que estas edições sejam feitas não só com dignidade (que obviamente terão) mas que também revertam para benefício internacional e potencial geração de lucro, ou seja, que se aponte a sério e com calma para as grandes etiquetas—Deutsche Grammophon, EMI classics, etc. Isso no caso do Anel de Graham Vick e das grandes produções “antigas”, claro, porque para as produções menores e os “barretes” pode inventar-se uma produtora qualquer não subsidiada: só os amiguinhos do costume vão comprar.

Recorda também o Público que o ministério do Desenvolvimento Regional (liderado pelo Dr. Poiares Maduro, que também ontem esteve em S. Carlos) manifesta intenção de que “a RTP2 passe a ser um canal de “forte componente cultural””. Resta esperar que os detalhes do projecto sejam delineados com muita ponderação, tendo sempre em vista, acima de tudo, a sustentabilidade do teatro de S. Carlos por muitos mais anos. O P.Z. está confiante em Pinamonti para orientar este processo—ou melhor, progresso—ainda que se mantenha ciente do que, segundo o Dr. Poiares Maduro, não é uma promessa do “nível” de outrora. Estimados leitores, esta é uma boa oportunidade para apresentarem também nos comentários as vossas sugestões e preocupações: não se sabe até que ponto a blogosfera pode ter influenciado ou venha a influenciar estas mudanças.

Fontes: Público, RTP, RTP, Facebook São Carlos.