Rigoletto | Teatro Nacional de São Carlos (crítica), Trilogia de Verdi III




À partida, pensando no Rigoletto, as ideias principais que vêm aos amantes de ópera são a imagem disforme do bobo, a ária do duque de Mântua (“La donna è mobile”) e a doçura de Gilda. Nesta trilogia de Verdi, parece explorar-se as diferentes possibilidades de triângulo amoroso: no Trovador, com um amor não correspondido; na Traviata, o falso triângulo (com o barão) e, no Rigoletto, a forma como o interesse do pai se interpõe entre Gilda e o duque. Nesta produção do Teatro de S. Carlos, apresenta-se um duque com dupla personalidade, uma Gilda com pouca personalidade e um Rigoletto não-disforme, atormentado pela sua própria personalidade. A voz de Piero Terranova é particularmente cavernosa—ainda que a sua audibilidade varie grandemente consoante a sua posição no palco—, ajudando a caracterização de um Rigoletto algo violento e pouco racionalista, agindo mais por impulso do que por meditação prévia. Ao contrário do típico corcunda triste que encontra na filha a personificação da amada falecida e se deixa ingenuamente tentar pelo poder sedutor do assassino Sparafucile, este Rigoletto é um bobo actualizado que esconde um desejo de poder; ao julgar ter o duque morto a seu comando, Rigoletto aponta uma lanterna para o público, no meio da tempestade do acto III, inebriado pela autoridade de ser ele o castigador do crime.

O duque de Mântua apresenta-se, nos primeiros actos, como uma socialite abastada. “Questa o quella” é cantada no meio de uma festa de máscaras, no meio da qual dificilmente há espaço para prestar atenção à música—não querendo isso dizer que o nível vocal tenha sido de interesse. A voz de Alessandro Liberatore é bonita mas forçada. E agudos?... nem arriscar! A casa de Sparafucile—das vozes masculinas, a mais poderosa, em conjunto com o Marullo de João Merino—passa para uma espécie de red-district, onde mais uma vez dá para prestar atenção a tudo (incluindo a dupla personalidade do duque, que agora se apresenta como motoqueiro), excepto à ária “La donna è mobile”. A Madalena de Agostina Smimmero não foi, visualmente, uma boa aposta para a sedutora irmã do assassino, o que se tentou colmatar com um quarteto “Bella figlia dell’amore” muito inconvencional, revelando um total desprezo do encenador Francesco Esposito pelo poder da música, resultando em alguns minutos que certamente fizeram Verdi revirar-se na sepultura. Esposito ainda tentou fazer das suas no princípio do “Caro nome” da Gilda, no final do acto I (num bairro onde toda a gente poderia encontrar a filha que Rigoletto quer esconder). Porém, deve ter-se apercebido de que não é possível ter mais do que Gilda e Gilda no palco durante esta ária incontornável do bel-canto. Romina Casucci possuiu uma voz transparente que se torna pouco agradável no registo agudo: o chamado adeus-boa-noite para uma Gilda.

Quando se prepara para lançar ao rio o cadáver que Sparafucile lhe dá, Rigoletto ouve o duque a entoar a sua canção alegre e logo descobre a sua filha mortalmente ferida. No dueto final, o P.Z. nunca sentiu tanta desonestidade ao ouvir o bobo pedindo à filha que não o deixe só (“no, lasciarmi non dei”), visto que, à luz desta encenação, só se consegue ver que Rigoletto tinha mais medo de se ver só no mundo do que tristeza por perder a sua filha. Apenas consegue exclamar “Ah, a maldição!”, não percebendo que foi a sua necessidade de controlo que conduziu ao desfecho trágico, preparado desde que zombou de Monterone. Esse e as outras personagens principais regressam ao palco durante a morte de Gilda, a que o Duque assiste de braços cruzados, condenando Rigoletto.

Esta crítica pode parecer simpática, mas infelizmente apenas tenta não focar os inúmeros pontos negativos e preencher alguns espaços que este Rigoletto pode ter deixado mal preenchidos. Porque, na verdade, o P.Z. resumiria a récita a um conjunto de cobardes que evitaram todas as notas agudas possíveis, um maestro completamente fora do conceito de drama, uma encenação pouco clara e incoerente, com um Rigoletto que anda de moto (WTF…) e, pela roupa, só lembra o Slash dos Guns n’ Roses, não merecendo nenhuma da piedade que pede na ária “Cortigiani, vil razza”—outra cenicamente arruinada.

★★☆☆☆, direcção cénica muito incompleta


O P.Z. ao descobrir que o Rigoletto anda de moto e parece o Slash (kit-maravilha):

 

11 comentários:

  1. A falta dos agudos opcionais foram neste caso, escolha/imposição do Maestro. Os cantores não tiveram culpa nenhuma.

    Nas gravações de Mutti por exemplo, não existe um único agudo, grave ou cadência que não esteja escrita. São opções e não é nem de perto nem de longe novidade. Informe-se ou pelo menos interrogue-se antes de partir para o insulto fácil.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Não me parece que o P. Z. tenha insultado seja quem for...

      Excluir
    2. ...Mas existem pratos na orquestra, coisa que não existiu no S. carlos...

      Excluir
  2. Caro P. Z.:
    Como eu o compreendo! Esta encenação é verdadeiramente desgraçada. E feia, desagradável. Concordo com a a sua apreciação relativamente aos cantores.
    A propósito: alguém saberá dizer-me porque é que este maestro não usdou os pratos na orquestra?

    ResponderExcluir
  3. Como muito bem diz Toscanini na citação aqui ao lado, "Não há necessidade nem lugar para a mediocridade." A encenação é péssima e o nível das interpretações também. Só não consigo perceber quem afirma o contrário: não me venham com o Muti para justificar o descalabro deste Rigoletto. E nem vou falar do Martin André...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Tem toda a razão! É de fugir; mas, mesmo assim e apesar de tudo, o que me incomodou menos foram as vozes.

      Excluir
    2. Subscrevo tudo o que foi dito até agora...
      Algo que intitulo como "Litania dos pobres " interpretado por um coro de miseraváveis vozes, . que se assemelham a prantos negros, conduzido por um maestro invisivel..... Não Recomendável para alguem que procura um espectaculo lirico...!!!

      Excluir
  4. Verdi e Sagres no mesmo palco... como diriam Statler e Waldorf, "A melhor parte do espectáculo? ... foi quando acabou!"

    ResponderExcluir
  5. Foi um Rigoletto muito fraco em todos os aspectos. É pena que assim tenha sido. Usar a "prata da casa" telões e cenários incluídos não será mais económico e, sobretudo, melhor?
    Esperemos que para a próxima temporada possamos ter um par de óperas que nos satisfaçam.

    ResponderExcluir
  6. Fiquei incomodada com algumas cenas de caracter sexual bastante explicito especialmente porque tinha convidado os meus sobrinhos para ir comigo.
    Acham que era assim tão essencial para mostrar a degradação do ambiante e fazer o contraste com a pureza de Gilda?

    ResponderExcluir
  7. Fui assistir a este ópera no passado dia 5 de Maio, Dia da Mãe, tendo aproveitado para a convidar dado que ela é uma apreciadora de ópera e muito mais conhecedora do que eu.

    Não entrando na discussão sobre as vozes ou maestro, que para um leigo me pareceram fraquinhas tendo em conta o gigante que representaram, o que mais me chocou foi a representação cénica. Se a cena de abertura me deixou pouco à vontade, ao terceiro acto deu-me vontade de sair da sala.

    A representação de um bordel com os figurantes a simularem relações sexuais mais parecia uma encenação "soft-core" de um filme para adultos.

    O choque que senti por estar a ver no palco de São Carlos uma cena de filme para adultos foi profundo.

    Em nada ajudou ter estado sentado entre a minha irmã e a minha mãe para o que supostamente seria uma tarde agradável.

    Foi excessivo, grotesco e de um gosto que de duvidoso não tem nada porque por e simplesmente não existiu.

    ResponderExcluir