No próximo sábado,
realizar-se-á na sala principal do Teatro Nacional de São Carlos um concerto de
fados. Pisarão o palco—onde cantaram as mais seleccionadas vozes da arte
lírica desde o século XVIII—Carminho, Mafalda Arnauth, Camané e Carlos do
Carmo. Sem ter a certeza completa desta afirmação, o P.Z. ouviu dizer que a
única noite de fados ocorrida em S. Carlos foi conduzida pela Amália, em tempos
menos amargos para o teatro, quando havia pateadas só porque sim. Desde “O Morcego”
de 2010, o P.Z. não assistiu a uma verdadeira pateada, embora até há bem poucos
dias alguém tenha comentado por aqui que o Trovador pedia para “patear
ferozmente”. A maior e mais recente, antes do referido “Morcego”, foi em
plena “Salome”, quando Herodíade passava a ferro durante a “dança dos
sete véus”. A questão recente é que o público está tão cansado, que nem energia
para patear tem. Dizia alguém recentemente na blogosfera que até os aplausos estão
cada vez mais cansados—o que é verdade.
Na primeira metade do ano,
a ópera planeada em S. Carlos resumiu-se a uma espécie de festival de Verdi com
duas produções muito controversas e um nível musical fraco. Nos blogs, há
rumores de que Rui Massena pode ser o próximo director artístico do teatro
(o-que-é-isto?!). No sábado, haverá um concerto de fados com a orquestra
sinfónica portuguesa, acompanhando algumas das figuras mais mediáticas do Fado
de hoje—um estilo mais turístico do que português, se apenas estes fadistas se
considerarem. Mafalda Arnauth tem voz
perfeita para fados, mas desde que lançou a sua carreira tem-se desviado do
fado. Carminho, com a sua aura de jovem estrela de estúdio, raramente põe os pés numa
casa de fados sem microfones; até aceitou cantar ao lado de José Carreras e Ailyn
Pérez no nojento Pavilhão Atlântico, mas recusou acompanhar o “brindisi”,
tal é o seu respeito pela pureza do fado (que pelos vistos não existe?!). Se
Carlos do Carmo cantar sem microfone, o P.Z. acrescentará na sua descrição que,
em tempos livres, é a carochinha. Quanto a Camané, basta indagar se tem postura
para uma sala de ópera.
Amália foi a verdadeira
fadista que ao povo pertencia e cuja arte era património da humanidade. O P.Z.
não pode prever o futuro, mas o conceito do concerto em si é ofensivo! Quer a
gestão da cultura transformar S. Carlos no Royal Albert Hall, onde passam todos:
desde rap a ópera? Primeiro, seria mandatório garantir a qualidade da ópera; e depois poderia haver a lata de apresentar “fadistas de CD” e cinemas no teatro nacional de ópera. Fica um repto aos leitores-espectadores: não encorajem
este tipo de iniciativas, recusando-se a ver o espectáculo deste sábado, porque indo, estarão a promover a criação do Coliseu dos Recreios de São Carlos em Lisboa. Muito provavelmente, os artistas referidos acabarão por ler este texto. Não devem vê-lo como um
insulto: antes como um texto de um amante de ópera (e sim, também de
noites de fado) muito entristecido. Para estes artistas (tal como para Rui Massena), actuar em S.
Carlos é um convite único e, por isso, a não recusar. Percebam que o P.Z. pensa
que não o deveriam aceitar por um motivo simbólico e não pessoal.
Opine: Concordo/Discordo.
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Edit: 17 maio 2013 https://fbcdn-sphotos-a-a.akamaihd.net/hphotos-ak-frc1/428443_10151604022052980_1323603112_n.jpg Vergonhoso!
Placido,
ResponderExcluirtenho andado um bocado desaparecido aqui da blogosfera mas nao tenho deixado de acompanhar o que se vai escrevendo.
a verdade é a seguinte: o sao carlos vive com um orçamento limitadissimo. Nao sei se tens reparado que o seu principal esforço tem sido o de atrair novos sponsors. Ha menos de um ano atras o Sao Carlos nao tinha praticamente nenhum alem da antena 2. Podes verificar que a coisa está a mudar. Mas entao o que isto quer dizer?
quer dizer que o sao carlos faz o que pode. E nao julgues tu que está a fazer uma coisa de todo ultragante, feia, etc.
Por exemplo, aqui em Barcelona, o teatro do liceu ainda ha dias fez um concerto com a Marisa Monte, e por vezes outros cantores pisam o seu palco. O Palau da Musica Catalana, rendeu-se totalmente ao turismo com concertos semanais de guitarra espanhola para dar aquela experiencia espanhola a quem o visita. Sao medidas inteligentes e que nao vao contra as missoes destas instituiçoes, e que ainda lhes permite criar fontes alternativas de receitas.
Quanto a futuras temporadas, sabe-se que o Sao Carlos está a trabalhar em colaboraçao com o Teatro Real numa opera de Mozart. Até agora, é tudo o que sei. Quanto a substituiçao de Martin Andre, tal deve-se ao contrato estar a expirar.
Em Portugal nao existe o habito do patronato e este taopouco é incentivado pelo estado. As boas praticas de gestao cultural indicam que o peso do estado no orçamento de um teatro deve rondar os 30% à semelhança do que se passa na Royal Opera e no Liceu. Em Lisboa, o peso ronda os 80%. Como deves calcular, é inviavel continuar assim.
Vamos esperar por melhores dias, mas peço-te que repares nos detalhes, porque nao se podem fazer omeletes sem ovos, e o sao carlos há muito que anda em dieta.
Saudações!
ExcluirExiste no YT um concerto da Bjork na Royal Opera. O que diz o Guardian sobre isso é que faz perder os patrocinadores conservadores (por vezes os que mais contribuem) de forma insustentável, o que é confirmado pela existência de filas vazias. Antigamente, parece que isso não acontecia.
Além disso, não me parece que seja chamando patrocinadores de fado que se esteja a atrair sponsoring para ópera. O mesmo para o escaldaloso/vergonhoso concerto da Maria Bethania - grande artista... do seu estilo. Estou convencido de que S. Carlos é representado por músicos com falta de formação de qualidade em gestão das artes e capacidade diplomática nula - o que se agrava devido a correspondentes no Estado que não sabem fazer nem ninguém lhes diz o que fazer.
É assim que eu justifico os 30 vs 80%.
Não vou alongar-me. Tenho ovos quase suficientes para fazer uma omelete jeitosa daqui a uns tempos, no blog.
Vou ver a Butterfly em Julho, a seguir ao grande Plácido. Sempre um gosto ler os teus comentários
Placido,
Excluirquer-me parecer que a redução de sponsoring dos mais conservadores na Royal Opera resulta mais do facto da Royal ter vindo a adoptar uma postura um pouco mais contemporanea em diferentes aspectos, principalmente no que à programação diz respeito. Eles têem feito um grande esforço no sentido de encomendar novas operas (como ainda agora anunciaram o compromisso de estrear uma opera a cada ano, durante os proximos quatro anos - medida igualmente aplicada ao Teatro Real) mas também em repetir outras operas de autores contemporaneos (Como é o caso do Minotauro nesta temporada ou da Anne Nicole em temporadas anteriores). A Royal tem alterado a sua estratégia de Marketing e Comunicação nos ultimos anos, nomeadamente através do envolvimento da sua audiencia via facebook/twitter, tornando-se mais atractiva para uma audiencia mais jovem.
Ainda assim, quer-me parecer que o corpo principal de sponsors da Royal nao é afectado. Afinal de contas, com a estratégia de internacionalização via Live Concerts em cinemas, o nivel de prestigio da Royal cresce a olhos vistos, e não ha nada que um sponsor deseje mais que um reconhecimento pelo feito.
Isso é uma parte: por outro lado, existem os 'sponsors' que contribuirão em função das possibilidades de melhorarem a sua experiência na ópera. Aliás, esses são "friends" (of the ROH) ou "patrons" (Met, EUA), que usufruem de vários privilégios que acrescentam valor aos espectáculos na forma como são percepcionados pelos tais patrons. "Sponsors", como a Bloomberg, estão num nível... demasiado diplomático para os nossos gestores das artes!.. Outro comentário: estrear novas óperas é ter um espírito aberto, o que é incentivável; passar fados e Maria Bethânia em S. Carlos é a-b-a-n-d-a-l-h-a-r.
ExcluirTem toda a razão, P.Z. Um lugar para cada coisa e cada coisa no seu lugar, como diria Jorge Amado.
ResponderExcluirHá registos e linguagens que têm que ser minimamente respeitados. Mutatis mutantis, isto é o mesmo que ir à praia de chapéu alto e de casaca...
O Blogger tem toda a razão no que diz, palavra por palavra.
ResponderExcluirDirei mais, neste momento nem sei se chega aos 30% aquilo que é patrocinado por privados. E nada tem a ver com patrocinadores conservadores ou não, isso é uma fantasia.
Os grandes patrocinadores cortam ou cortaram naquilo que davam por uma razão simples, deixaram de ter benefícios fiscais por isso. Acham mesmo que a EDP ou o BCP quando patrocinavam em 2 ou 3 milhões por ano se interessavam sequer pelo Teatro São Carlos? As recitas dedicadas, ou melhor oferecidas aos patrocinadores, ou estavam as moscas ou era ver a cara de frete a entrada, durante e saída das ópera. E nada tem a ver com directores, sempre foi assim....era assim com Pinamonti, era assim com Paulo Ferreira de Castro, era assim com Dammann, etc.