Susan Bullock foi a Brünnhilde do Anel do Nibelungo mais mediático da história de São Carlos, transmitido pela RTP para a
televisão, via online stream e projectado em écran gigante para o Largo
de São Carlos.
A RTP e o Teatro de S. Carlos anunciaram ontem a assinatura
de um protocolo de partilha de conteúdos. Resumidamente, a RTP passará a
transmitir óperas, bailados e concertos para a televisão. Deste protocolo,
apenas constam indicações gerais, estando muitas questões ainda por definir.
Quando Paolo Pinamonti (por enquanto consultor artístico) apresentar a nova
programação, terá ainda de negociar o tipo de transmissões (em directo ou em
diferido) e os próprios espectáculos a transmitir. Em resposta a críticas que
já passaram pela blogosfera, o próximo concerto de ano novo em S. Carlos será a
primeira transmissão coberta por esta parceria. Porém, deste projecto do qual
pode resultar um excelente resultado, podem também advir efeitos perversos,
posto que esta parceria assume que os espectáculos levados a palco em S. Carlos
serão bons.
Se não forem, os tele-espectadores simplesmente mudam de
canal e o caso estará resolvido: seria uma dupla perda. Porém, se Pinamonti e
Joana Carneiro conseguirem elevar o nível do Teatro, a procura poderá aumentar
significativamente mais do que se não houver difusão televisiva. De facto, a
melhor publicidade que se pode fazer a um bom produto é mostrá-lo sem
condicionalismos. Aspectos a não descartar incluem as filmagens em si e o
processamento de som—sim, porque os excertos audiovisuais que às vezes aparecem
na Câmara Clara (RTP2) e no Facebook do teatro não podiam ser menos
atractivos.
Um problema que chamou particularmente a atenção do P.Z. é a
transmissão em directo. No que toca à ópera, esse é um assunto delicado, visto
que é necessária uma perfeita coordenação das câmaras de filmagem. Veja-se o
caso do Met Live in HD: é um projecto muito experimentado mas é rara a
transmissão em que não se vê uma câmara ainda a focar ou a mudar de
enquadramento à pressa. Seria mais sensato guardar transmissões em directo para
uma fase mais avançada da parceria em que os operadores de câmara tenham
experiência. (Não se pode esperar que um operador de câmara da RTP saiba como
filmar ópera!) Por outro lado, um dos objectivos deste projecto, disse João
Villa-Lobos (adminstrador do Opart), é a “formação de novos públicos para o
teatro”. Deve notar-se que a transmissão em directo, em vez de atrair novo
público para o teatro, pode simplesmente ganhar espectadores de ópera em
televisão—alguns dos quais por via da perda de público presencial. Para a
ópera, o P.Z. pensa que será uma aposta acertada começar pelas transmissões em
diferido, a ser transmitidas depois de o espectáculo sair de cartaz. Eventualmente,
não será má ideia editar o produto final depois das filmagens, imitando o
estilo das transmissões/DVD da Met: o melhor que se pode tentar fazer numa
primeira fase. Do mesmo modo, a publicidade deverá ser atempada: publicidade
aos espectáculos antes e durante as récitas e só depois publicidade à
transmissão televisiva, evitando o efeito sofá-inércia.
O Público também faz notar o objectivo de transmitir
alguns espectáculos antigos, embora não deixe claro se serão antigos no sentido
de “últimas temporadas” ou num sentido mais lato. O P.Z. pensa que o material
mais antigo deve ser bem visado—por razões óbvias para qualquer amante de ópera.
O Dr. Jorge Vaz de Carvalho (barítono) coordenará a edição, “entre 2014 e 2019,
[de] pelo menos 12 DVD de espectáculos antigos que estão no arquivo da RTP”. O
P.Z. recomenda que estas edições sejam feitas não só com dignidade (que
obviamente terão) mas que também revertam para benefício internacional e
potencial geração de lucro, ou seja, que se aponte a sério e com calma para as
grandes etiquetas—Deutsche Grammophon, EMI classics, etc. Isso no caso do Anel
de Graham Vick e das grandes produções “antigas”, claro, porque para as
produções menores e os “barretes” pode inventar-se uma produtora qualquer não
subsidiada: só os amiguinhos do costume vão comprar.
Recorda também o Público que o ministério do
Desenvolvimento Regional (liderado pelo Dr. Poiares Maduro, que também ontem
esteve em S. Carlos) manifesta intenção de que “a RTP2 passe a ser um canal de
“forte componente cultural””. Resta esperar que os detalhes do projecto sejam
delineados com muita ponderação, tendo sempre em vista, acima de tudo, a
sustentabilidade do teatro de S. Carlos por muitos mais anos. O P.Z. está
confiante em Pinamonti para orientar este processo—ou melhor, progresso—ainda que
se mantenha ciente do que, segundo o Dr. Poiares Maduro, não é uma promessa do “nível”
de outrora. Estimados leitores, esta é uma boa oportunidade para apresentarem
também nos comentários as vossas sugestões e preocupações: não se sabe até que
ponto a blogosfera pode ter influenciado ou venha a influenciar estas mudanças.
É uma boa notícia, que peca por vir tarde. Já se perderam grandes oportunidades, mas podem vir outras. Também penso que há-de existir um espólio, principalmente sonoro, que podia e deveria ser divulgado.
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