Il Postino: “es el llanto del mar”
Teatro Real, Madrid, 23 de
Julho de 2013
Quanto mais o P.Z. pensa em Il
Postino de Daniel Catán, mais ideias sobre ele tem e cada vez mais se
convence de que se trata de um bom trabalho: e acima de tudo, não restam
dúvidas de que é uma ópera. O sistema de transição de cenas de Il Postino
é dinâmico e inovador, propondo uma sequência quase cinematográfica que desafia
o conceito tradicional de “ópera”. Ao longo do trabalho, há apontamentos
musicais mais modernos, outros mais líricos e alguns momentos cómicos, de modo
a não criar um ambiente nem demasiado intelectual (ou metafórico, como diria
Catán), garantindo com bom gosto a originalidade dentro da composição
operática. Existe uma sonoridade condutora quase melódica, que se desenvolve
dentro de um estilo singularmente tocante: é uma metáfora para a subtileza das
metáforas que motivam a ópera.
Mário, o carteiro de Pablo
Neruda durante o seu exílio à beira do mar azul de Itália, aspira a
sensibilidade de Neruda. Apesar de não saber o que é uma metáfora,
reconhece a beleza dos elogios que faz a Beatriz (“a tua boca é uma borboleta”)
e quer aprender com Neruda a arte das palavras e das metáforas. Mas será que a
vai conseguir treinar e que a magia da música de Catán também se vai estender
ao jovem? Será que tudo é poesia na reviravolta social e política dos anos 50?
Unificando a ópera, surge um
elo de ligação: uma canção. Neruda ouve em casa, feliz com a sua mulher, uma
envolvente gravação de um poema de Manuel Acuña
Comprendo
que tus besos jamas han de ser mios,
comprendo que en tus ojos no me he de ver jamas;
y te amo y en mis locos y ardientes desvarios,
bendigo tus desdenes, adoro tus desvios,
y en vez de amarte menos te quiero mucho mas.
comprendo que en tus ojos no me he de ver jamas;
y te amo y en mis locos y ardientes desvarios,
bendigo tus desdenes, adoro tus desvios,
y en vez de amarte menos te quiero mucho mas.
que surge inicialmente como
uma simples canção de amor; arte por arte. Mas depois adquire um sentido
diferente quando Mário conhece Beatriz. Toda a poesia pode ser reinterpretada
como se queira, ou seja, também Mário pode escrever poesia! De cena em cena, Il
Postino torna-se cada vez mais apaixonante e envolvente—mas nunca num
sentido complicado. A cena final, passada vários anos depois do acto II, inclui
uma narração com encenação em flashback e um momento inesperado: Neruda
lê uma carta de Mário que permite um final semi-aberto. Quando se começa a
culpar Neruda pela infelicidade que se abatera sobre a família do carteiro
durante a ausência do poeta, Mário agradece a maravilhosa poesia que Neruda
levou à sua vida: “é sobre o mar que ensina a amar”. E, se na poesia lhe tremer
a voz, “é o choro do mar (es el llanto del mar)”. O pano cai, contemplando poeticamente o mar de
Itália, com a maravilhosa orquestra de Catán num momento maravilhoso.
Ouvir Il Postino pela
primeira vez foi como ouvir uma ópera conhecida, na certeza porém de que o
papel de Neruda foi criado propositadamente para Plácido Domingo. Vicente
Ombuena tentou representar Neruda, mas não tem nem a envolvência da voz de
Domingo nem a habilidade de transmitir a beleza do Neruda segundo Catán.
Conquanto não seja nitidamente a personagem principal, Neruda é uma personagem
fulcral, pois corporiza a alegria e a elegância na vida, sem deixar esquecer
que nem tudo é mar azul: as pessoas também sofrem, e também Neruda sofre. De
qualquer modo, quem poderia ser melhor do que Domingo para um Neruda tão
humano? Cristina Gallardo-Domas, como mulher de Neruda, também tem um papel
diverso: é esposa e amante, mas não é estranha às tentações humanas. Nota-se uma certa pressão da sua parte para que o poeta abandone Itália assim quanto possível, o que acaba por acontecer depois da revolução do Chile. O papel
nitidamente foi seu, com entrega total (e maminhas p’ra todos!).
Mário é uma personagem interessante
porque não se sabe muito sobre o seu eu: é um carteiro muito comum, mas
como humano que é, revela potencialidade psicológica. Não se sabe se o seu
talento para escrever poesia é genuíno, nem se acredita verdadeiramente no
comunismo ou simplesmente quer imitar o poeta Neruda, o que o torna uma
personagem verosímil e humana. Leonardo Capalbo foi quem o interpretou.
Conhecido em Lisboa num desastrado Rinuccio (Gianni Schicchi), o tenor
surpreendeu positivamente o PZ. A sua interpretação foi completa e emocionante;
a sua expressão foi da maior simplicidade ao conhecer Beatriz e muito
interessante depois, mas o melhor momento foi, para o PZ, a cena final da
carta. O seu par, Beatriz, é uma personagem mais óbvia e menos interessante,
embora seja apresentada ao ganhar um jogo de matraquilhos contra o carteiro,
mas Sylvia Schwartz também contribuiu positivamente para o nível vocal do
espectáculo.
Uma característica inovadora
de Il Postino é a multiplicidade dos intervenientes, construindo um
autêntico retrato social, naturalmente com algumas limitações e liberdades
artísticas. O coro do Teatro Real e as personagens secundárias tiveram
interpretações muito boas nesta ópera tão diversa. A orquestra também esteve
magnífica e envolvente sob direcção do maestro Pablo Heras-Casado, o que
permitiu elaborar esta reflexão sobre a ópera em si. Il Postino é uma ópera simples mas profunda. Não tem um
final feliz, nem triste. A encenação de Ron Daniels e Riccardo Hernández também
é simples, mas o P.Z. sentiu que a ópera de Catán requer qualquer coisa mais
próxima de cinema; talvez cenários que, embora sejam dinâmicos, tenham um
aspecto mais sério ou realista. Contas feitas, sem dúvida: uma ópera muito
interessante, equilibrada e um espectáculo bonito.
★★★★☆
Então, caro PZ, desistiu de comentar?
ResponderExcluirLogo agora que se anunciam algumas novidades de interesse...?