O rapto de Leonora.
Verdi era, sem dúvida, um
mestre da análise social. Em Il Trovatore, há duas perspectivas
principais. Por um lado, existe a guerrilha social durante uma guerra civil. No
libreto, não se procura evidenciar que guerra era esta, já que a acção está
concentrada na rivalidade entre os ciganos—nos quais se inclui o herói, Manrico—e
a família do Conde di Luna. Se na Força do Destino existe uma guerra,
falta-lhe um triângulo amoroso. No Trovador, essa falta é reparada por
meio do trovador Manrico, de Leonora e de di Luna, que constitui a outra perspectiva. Tropas modernas povoam a
encenação de Francesco Esposito: a passagem de cenários e a forma como os coros
de boinas vermelhas (de Manrico) e o exército de di Luna alternam a sua
passagem pelo palco contribui
para a crescente tensão da cena. Nesta produção, julgando por algumas
abordagens do tenor Ivan Momirov, Manrico é não só um rebelde, mas claramente
parte de um povo (e não só uma família) oprimido, o que contribui para a
verosimilhança do drama. As boinas vermelhas são da cor da rosa que Manrico dá
a Leonora.
No libreto, durante o “coro
das bigornas”, o exército vermelho (até que ponto ser deverá usar a expressão à
letra?) canta “o que alegra o dia dos ciganos”; a encenação responde com um
exército de cerveja em punho. Naturalmente, será mais difícil imaginar esse e
os outros elementos na Espanha medieval que a história original do Trovador
relata (sem elementos vinculativos no libreto), mas com um espírito aberto
reparar-se-á mais na admirável adaptação de cenários, que são sempre os mesmos,
mas representam de forma interessante os diferentes lugares de cada cena. Embora a
concepção cénica seja verdadeiramente impressionante, o P.Z. apenas teve pena
de o maestro Martin André nem sempre ter contribuído com uma orquestra que
transmitisse, em intensidade, a grandeza desta ópera. (Inserir pausa de
veneração para a encenação.)
Ivan Momirov, no seu estilo
e interpretação de Manrico, foi vibrante e mobilizador. Na sua trova all’interno
inicial, não causou grande impressão, mas em palco teve momentos notáveis, sem
extravagâncias. No segundo acto, foi anunciado que estava indisposto, o que
seria inconveniente para o seu acto. “Ah si, ben mio” foi
claramente minado pela garganta indisposta. Porém, surpreendentemente, Morimov
surge com a espada metralhadora em riste e canta “Di quella pira”
com todo o virtuosismo e a beleza vocais que a ária impõe, encerrando a cena
com potentíssimas notas agudas, exclamando “às armas!”, conquistando aplausos
estrondosos. Nem só de Corellis e de Pavarottis se fazem Manricos! Rachele Stanisci, como Leonora, já não teve tanto sucesso. O seu
timbre é singular e encorpado, mas por vezes adopta uma postura mecânica. O Miserere—uma
das mais conhecidas cenas do Trovador—é literalmente uma cena de suspense
em que a soprano e a orquestra não podem falhar. André não esteve num momento
brilhante e o canto ficou por alguns soluços semi-cantados, vindos de uma
Leonora de pistola apontada à cabeça.
O conde di Luna foi
representado por Valdis Jansons, barítono algo irregular, mas nos melhores
momentos—onde felizmente se contou a ária da cena do convento—revelaram uma voz
cheia e emotiva. Em suma, o triângulo Manrico-Leonora-Di Luna funcionou muito
bem, sobretudo na cena do rapto de Leonora do convento, em que as tropas dos
rivais se encontram, após uma longa espera de finalmente ver os exércitos de S.
Carlos reunidos para intervenções excelentes, como no famoso “coro das bigornas”,
que antecede uma ária operaticamente assassina: “Stride la vampa”, de
Azucena. Esta foi interpretada pela meio-soprano Agostina Smimmero, com timbre
profundo mas com presença vocal um bocado aquém do desejável apenas por causa da
projecção da voz. Por seu lado, a figura desta Azucena é particularmente
enigmática e assustadora. Na sua primeira cena, surge com um carrinho de bebé,
que na verdade revela conter um boneco que queima, ao narrar a história da sua
mãe. “Vinga-me”, dizia ela: da aparente insanidade derivada da obsessão, começa
a desenvolver-se o enigmático presságio do final do trovador. Na cena final, o
conde di Luna envia Manrico, seu rival, para o cepo. Então, a cigana Azucena
revela a verdade da história da sua mãe, que desde o acto II pairava em
nevoeiro. Na sua loucura, apenas consegue rejubilar ante a morte do seu suposto
filho trovador, enquanto di Luna contempla o suicídio por ter mandado executar
o próprio irmão; “vinguei-te, ó mãe!”, exclama a cigana quando o pano cai.
★★★★☆
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