Desde a sua estreia em 2006, em Salzburgo, a produção de La Traviata concebida por Willy Decker tem sido alvo de crítica a nível internacional. Muitos aficionados consideraram imediatamente a obra de Decker o pico operático do ano, enquanto observadores mais conservadores vaiaram prontamente a encenação inovadora. O próprio Plácido Zacarias partilhou essa atitude céptica antes de ver a produção completa, mas acabou regressando da transmissão em diferido absolutamente arrebatado por uma produção inteligentemente pensada, esteticamente delicada e profundamente marcante.
A música de Verdi -- cuja sonoridade é tão familiar -- encontra, sob a batuta do (super-)maestro Fabio Luisi, um equilíbrio delicioso entre o propósito meramente lúdico e a dimensão dramática da ópera, exacerbada pela encenação inconvencional. A encenação foi inteiramente modelada em função da música, com perfeita sincronia. No prelúdio ao acto I, Decker põe as cartas na mesa: um grande mostrador de relógio encontra-se à esquerda, no palco, com um homem de figura austera ao lado. Chega Violetta, com o seu vestido vermelho. Eis os três primeiros símbolos: o tempo que passa, a doença que acompanha a cortesã parisiense e os dias de prazer de Violetta.
Matthew Polenzani interpretou Alfredo, retratando o apaixonado amante de Violetta inicialmente como orgulhoso e inexperiente, progressivamente mostrando-o como vítima das circunstâncias. O timbre da sua voz tem uma claridade vibrante e natural, espelhando um Alfredo íntegro e jovem, o que não quer dizer menos capaz de se envolver numa cena infantil e violenta, como a do final do acto II, em que empurra Violetta para o relógio e lhe atira o seu dinheiro, enquanto os convidados da festa assistem. Dimitri Hvorostovsky sugeriu um pai Germont impositivo, provavelmente menos complacente do que a própria música parece indicar. Quando Violetta lhe diz que Alfredo é para ela mais do que tudo, Germont literalmente ri: e, ao longo do comovente dueto do acto II, não se assiste a mais do que uma pequena alteração de humor no carácter do velho orgulhoso, assim posto a ser julgado pelo público. Progressivamente durante o seu discurso para Violetta, assiste-se à perda de cor das flores que adornam o fundo da cena, enquanto Natalie Dessay, como Violetta, vai arrancando os panos floridos dos sofás que adornam o palco, assim despindo o cenário do padrão colorido que remetia para a felicidade dos dois amantes. No ponto de viragem da ópera, Dessay profere lindamente as delicadas palavras "dizei a vossa filha, tão bela e pura / .... que por ela me sacrifiquei -- e morrerei", destapando o fatal relógio que se encontrava parcialmente ocultado pelo pano florido. Violetta pede a Germont que a abrace como se fosse sua filha, mas este permanece imóvel.
A Violetta de Dessay, infelizmente, não fez muito mais do que cantar lindamente; em vez de apresentar uma introspecção de Violetta (imensamente pedida pela progressiva sequência de árias do acto I), tomou o caminho do bel-canto, procurando que a música fosse auto-produtiva. Embora a partitura seja bela por si só, a música excede a perfeição técnica e carece de uma interpretação pessoal, o que é dificilmente substituível por uma inteligente encenação à qual se subordinam os cantores. No final, Germont demonstra compaixão, dando a Violetta o abraço que esta lhe pedira no acto II; mas "é tarde". A mesma figura fantasmagórica dos prelúdios -- que entretanto revela ser, denotativamente, o Doutor Grenvil --, após afastar a cortesã da vida, é aceite pelos braços de Violetta, que assim sucumbe à doença. Mesmo assim, a encenação foi, em última análise, a salvação da heroína. As encenações tradicionais podem regalar os olhos, mas esta, contando que seja compreendida pelo público, pode elevar-se a um nível de intensidade dramática invulgar.
epa, desculpa lá, mas nao gostei nada. foi um sofrimento.
ResponderExcluirFiquei com a ideia de que foi para adorar ou detestar. Eu adorei.
ExcluirNão tive oportunidade de ver, mas felicito-o pela qualidade do texto que escreveu. Muito obrigado.
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