Dona Branca (Alfredo Keil) @ Teatro Nacional de São Carlos, 3OUT2010

Da Obra
Como já seria de esperar, «Dona Branca» é uma uma ópera banal, tal como muitas outras do seu tempo. Keil tem sido muito referido como um seguidor de Massenet. Eu discordo. Acho que Massenet é um remate que significa "exploração sumptuosa dos limites" -- postas as suas influências básicas de Verdi e Mozart. Verdi, porque é um lírico do final do bel canto; e Mozart porque é quase óbvia a nuance que remete para esse compositor. Não sei se é por falta de génio, mas a harmonia profunda não existe -- pelo que quem assim queira interpretar pode tirar influência wagneriana. A orquestração não me parece nada de especial, visto que não evidencia nem temas dramáticos nem proporciona abordagens mais sensíveis. Bem à portuguesa, a melodia é épica (de carácter quase militar) e escasseia em sensibilidade e paixão, ao contrário do que se verifica nas suas canções que, com outros assuntos, poderiam ter sido de Chopin. Um Dinamarquês no YT descreveu-mas em tempos como "uma mistura de Chopin e Puccini".

O facto de 10 minutos antes da récita a sala estar ainda neste deserto populacional já acusava a reduzida afluência ao espectáculo.
 
Da Representação
A versão de concerto foi tradicional: no palco, com as estantes e os cantores à frente; o maestro no meio e a Orquestra Sinfónica Portuguesa atrás. Acho que já mais para a frentex era os cantores sentarem-se quando não estavam “em cena”.
Infelizmente, a récita foi praticamente homogénea. Talvez o maestro Stert tenha sido um ponto forte. A sua prestação pareceu-me bastante boa; não tão boa, no entanto, como poderia ter numa obra cuja análise é bem mais superficial do que a de um “dramalhão” a sério.
Dona Branca (Sundyte) não tem um timbre bonito. Tem uma voz muito expirada que aplica com uma técnica que parece optimizar o seu canto. No entanto, na sua ária do último acto, que eu me lembre especificamente, gritou um doloroso e estridente dó agudo.
Afan (Hudson) tem um belo timbre e não me parece que tenha algum problema intrínseco à projecção de voz, ao contrário do que se diz aqui. Simplesmente é um trapalhão que não tem lá grande técnica, empapando os sons à moda russa, produzindo um efeito quase cómico.
Adaour (Luís Rodrigues), como já sabemos, não tem um timbre particularmente bonito. No entanto, revela-se, mesmo em concerto, um bom actor inato, de técnica vocal irrepreensível, calhando bastante bem na récita. A dada altura, num sol4, escapou-lhe a voz. Até me caía a boca!
A Fada foi interpretada por Maria Luísa de Freitas. Tal como tenho escrito por aqui, esta meio-soprano revela que é mesmo uma rouca em decadência vocal e um desastre lírico. Devo salientar que até parecia estar dentro da coisa. Dançava languidamente com a música, e se houve alguém que sabia a partitura de cor -- era ela.
O coro não esteve tão mal como o tenho ouvido. Note-se que foi muito barulhento ao sentar-se e erguer-se.
Em suma, o espectáculo em si não foi nada de especial: a versão de concerto pedia encenação de grand opéra e os vocalistas não eram nada de especial -- pedindo mais encenação. Mas vendo as coisas de outra perspectiva (tal como no caso do Anel filmado de Bayreuth), era difícil e talvez não justificasse ter muito melhor.

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Johannes Stert + OSP Direcção musical
15/20
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Aushrine Stundyte Dona Branca
14/20
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John Hudson Aben Afan
13/20
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Luís Rodrigues Adaour
16/20
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Maria Luísa de Freitas Fada
9/20
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GLOBAL
14/20
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A casa esteve com lotação (assim de repente) de cerca de 50%. As ovações duraram pouco mais de 2 minutos por mim cronometrados. É de notar que houve uma violoncelista e uma violinista que vai não vai sacavam do leque e por ali ficavam a abanar-se.

No final, já com o barítono Luís Rodrigues instalado na frisa nº 3, houve a cerimónia de entrega do espólio de Mário Moreau ao TNSC. Já com a sala a menos de 30%, estiveram presentes o próprio Moreau, a viúva de Tomás Alcaide, o maestro Manuel Ivo Cruz, Jorge Salavisa (mal vestido como sempre) e Martin André -- entre outros.

16 comentários:

  1. Já souberam que o Villazón e a Machaidze foram vaiados ontem no Elixir da primeira noite do Scala?

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  2. não sei se a tua avaliação da maria luisa não estará tambem extrapolada pelo facto de nao a apreciares. Não a achei assim tão mal quanto isso. Quanto ao tenor, era realmente trapalhão. Mas continuo a achar que nao tinha muita projecção de voz. Não te esqueças que o São Carlos não é uma casa de ópera muito grande. Em palcos maiores teria sido completamente abafado pela orquestra.

    Espero sinceramente que alguem tenha gravado esta ópera, lhe aplique os devidos retoques informático-musicais e a comercialize, nem que seja só pela curiosidade.

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  3. ó placido, o Villazon tem feito das suas por toda a parte. Teima em cantar mas ainda nao recuperou totalmente da cirurgia. E verdade seja dita, já perdeu a voz porque foi um tótó. Aqui ha uns meses em copenhaga, plateia cheia, cantou uma aria e nao aguentou mais e foi embora. Nunca consegui gostar muito dele. Excepçao seja feita ao cd dedicado a massenet e gounod e a aria do lamento de federico :)

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  4. Eu assisti hoje à récita e gostei, apesar de notar algumas das falhas que foram aqui apontadas. Mas o tema da ópera é interessante como exemplo de uma incursão romântica na representação da medievalidade, tem valor intrínseco de um ponto de vista cultural , e valerá a pena dedicar-lhe um estudo mais sério...
    Também espero que a ópera seja gravada e comercializada.
    O maestro esteve muitíssimo bem, o Luís Rodrigues mostrou que é um profissional excelente,a Stundyte teve momentos em que emocionou o público, não achei que o tenor se destacasse particularmente, gostei de ver e ouvir a companhia (orquestra e coro), parececeu-me que os músicos estavam bastante satisfeitos.
    Foi pena o público não ter comparecido em pleno!

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  5. Ó blogger,
    O facto é que em S. Carlos o tenor fez-se ouvir. Como também não o conhecemos, dá-se-lhe o benefício da dúvida ao não nos questionarmos acerca de como teria corrido num espaço mais amplo.
    Quanto ao Villazón, também não gosto muito dele. Já há algum tempo que não ouvia esse tal Lamento di Federico. É de cair a boca ao chão. Na minha opinião, como ele, só subiram tão alto o Del Monaco, (o Lanza) e mais recentemente o Kaufmann. Todos empatados :-P
    Mas há quem goste muito dele. Parece que como actor é muito bom. Como eu costumo dizer, a minha interpretação preferida dele é o "Ah, fuyez douce image" como Des Grieux (Massenet). Especialmente a gravação em que lhe faltam os dós 3 vezes consecutivas! :-P

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  6. Elsa,
    Quanto ao tema, penso nisto desta maneira, como a propósito de não-sei-quê na filosofia:
    Será que este tema calharia bem para ser ouvido em todo o mundo?
    Acho que não. Na realidade, no meu "pensier profondo", acho que até é um bocadinho foleiro. Não me interpretem mal. :-P Só acho que não tem aquela característica subliminar, está a ver? Também tenho esse pensamento em relação ao tema da ópera de Donizetti que tem aquela ária que eu tanto adoro, "Deserto in terra", que canta D. Sebastião, e em que depois morre Camões e perdemos a independência.
    Espero que o Ministério da Cultura tenha gravado a ópera (ou grave a 5). Se não gravar, só daqui a uns mil anos é que volta a ser ouvida. E como comemoração que isto é - não ser gravado e comercializado em DDD apenas serviria de metáfora que a República não rende! (Não vejam aqui propaganda monárquica, LOL.)

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  7. Caro Plácido,

    quer a composição como a orquestração são produtos do seu tempo, absolutamente competentes e agradáveis ao ouvido, sem serem memoráveis ou inovadoras. Em suma, julgo que Alfredo Keil cumpre em toda a linha.

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  8. LOL sabes o que era lindo? levar ao São Carlos a ópera Therese. Quando ela grita " Vive le roi" no fim é qualquer coisa de brutal e aí sim, era uma piada monárquica :P
    Quanto ao tema, foleiro? Não acho. A história daópera está repleto de temas foleiros. Olha por exemplo a historia do Roi de Lahore, quando o principe morre, chega ao ceu, fala lá com o deus do sitio e volta para se vingar. Ou por exemplo a opera de Verdi I Due Foscari cujo libretto é do mais desinteressante que há. Mas há melhor, olha por exemplo a Aida que tem uma cena que decorre no templo de Vulcano, quando se sabe que os egipcios nao adoravam esse deus lololol
    Mas tens mais, muito mais. Olha por exemplo a Madame Butterfly. Aquilo bem expremido, feito por ROssini seria uma opereta de um acto. Não fosse a musica de Puccini e aquela história que nunca ata nem desata não seria o que é.

    Relativamente a esse Don Sebastiao, é engraçado que Donizetti o tenha feito morrer envenanado. O libretto não bate bota com perdigota da nossa história.

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  9. Caro Hugo,
    Assim de repente, concordo.
    Mas penso em Carlos Gomes. Esse até era brasileiro, e obteve grande sucesso no seu tempo. Essa situação põe-me um bocado na dúvida acerca de se Keil cumpria ou não em toda a linha. Não será por mero acaso que Keil tenha sido negligenciado na história dos compositores da belle époque.
    Acho que ele estava bem no seu tempo, mas que era um bocadinho bruto. Falta-lhe sensibilidade, penso.
    Cumprimentos--PZ

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  10. Ó Blogger,
    Essa seria boa :-P Vejo que és mesmo da onda do Massenet. :-)
    Nunca investigara isso da Aida, mas aquele segundo quadro sempre me pareceu estranho. As referências religiosas estão todas um pouco trocadas na Aida. Um Egípcio antigo nunca diria "Ai Deus". Afinal, eram politeístas. Mas não me parece que é por aí que o gato vá às filhozes. Agora, nunca disse que não haja muita ópera de assuntos foleiros. Porque há.
    Quando me falas da Butterfly assim parece-me que estás a cometer um sacrilégio. Para mim, Puccini é intocável. Mas tens alguma razão (exageros à parte). Afinal, um assunto ou libretto secante (ai aquele segundo acto só de Suzuki e Butterfly :-P) pode ser sempre tratado com a mestria e sensibilidade de um bom compositor.
    Ou seja, continuo a achar este assunto pouco interessante. Poderia servir em todo o mundo?

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  11. Caro Plácido,
    Assistimos à mesma récita hoje. Eu fui um pouco mais duro na apreciação.
    Confrangedor mesmo foi a falta de afluência do público, não acha? A ópera apresentada merecia melhor.

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  12. Caro Plácido,

    Carlos Gomes é directamente influenciado por Verdi e Donizetti, um pouco à semelhança de Ponchielli.

    Caro blogger,

    não creio que os exemplos que citou possam, grosso modo, ser classificados como foleiros. No caso de I Due Foscari, embora estejamos perante um libretto que acusa um óbvio défice de desenvolvimento dramático, o tema é interessante e, dentro das limitações mencionadas, tratado com um mínimo de verosimilhança. O mesmo não poderá ser dito, por exemplo, da cena em I Lombardi na qual o espírito de Oronte surge, por entre as nebulosas, numa visão a Giselda, cantando inclusive uma ária neste estado imaterial.

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  13. Caro FanaticoUm,
    Acho que a falta de público é só uma curiosidade que deve interessar aos gerentes do teatro devido ao prejuízo que causa. De qualquer modo, o S. Carlos dificilmente poderia ter publicitado ainda mais este espectáculo.

    Caro Hugo Santos,
    O que acha do tema desta ópera? Ou melhor: acha que esta ópera é uma obra negligenciada como obra de arte? É isso que estou a tentar apurar nos comentários. Eu acho que nem por isso. Mas acho que devia (com a Serrana, a Suzanna e a Irene) aparecer de vez em quando simbolicamente em S. Carlos.

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  14. Caro Plácido,
    Concordo que dificilmente se poderia ter publicitado mais a ópera. O que é sintomático é o abandono a que estas produções estão votadas, na sequência de vários "desastres" apresentados, sobretudo, nas duas últimas temporadas, que afastaram totalmente o público, apenas ficando alguns resistentes.

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  15. Pois. E o Fanatico vai-se meter nos Banksters, não é? :-P

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  16. É verdade! Às vezes acontecem milagres e ... não devemos ter preconceitos.

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